ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS: LIMITES AO EFEITO ULTRA-ATIVO DA LEGISLAÇÃO REVOGADA
- ELISA MARANHÃO
- 21 de fev. de 2024
- 6 min de leitura
A inovação legislativa operada pela Lei Federal n° 14.133/2021 na matéria referente às licitações e contratações públicas conta para sua sedimentação com normas de transição em seus arts. 191 e 193. Assim, de acordo com a regra prevista no art. 191 da Lei nº 14.133/2021, até 29 de dezembro de 2023, conforme data limite fixada pelo inciso II do caput do art. 193 do referido diploma, a Administração poderia optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com a nova Lei ou de acordo com as leis anteriores, elencadas no referido inciso (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002; arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011).
Ademais, tal opção deveria ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, sendo terminantemente vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso, sob pena de se criar um regime híbrido sem respaldo normativo legítimo.
Nesse sentido, visando dar uniformidade e fluidez entre o procedimento preparatório e ao respectivo contrato, o parágrafo único, do art. 191, determinou que, caso a Administração opte por utilizar a legislação antiga, o contrato respectivo será regido pelas regras nela prevista durante toda a sua vigência.
Atente-se que, nada obstante o art. 191 não se referir expressamente ao Sistema de Registro de Preços, uma vez que as Atas no SRP não constituem contrato propriamente dito, pode-se interpretar por analogia que a regra de vigência previstas para os contratos também se estende às atas de registro de preços.
Assim, sendo aplicável a norma de transição prevista pelo parágrafo único do art. 191 da Lei n° 14.133/2021 às atas de registro de preço, desde que o respectivo processo licitatório para o registro de preços tenha sido devidamente instruído até 29/12/2023 sob os ditames da Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/02 ou arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011e tenha havido opção expressa nesse sentido emanada da autoridade competente, suas respectivas atas e contratos administrativos podem permanecer sob a regência da legislação anterior.
Conclui-se que eventual licitação publicada no ano de 2023 para registro de preços com fundamento na Lei n° 8.666/93, Lei nº 10.520/02 ou arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, na qual o Ente Público figure enquanto órgão gerenciador ou participante e em face da qual tenha se originado Ata de Registro de Preço com vigência iniciada ainda no ano de 2023 ou já em 2024 poderá continuar sendo utilizada tanto pelo órgão gerenciador como por seus órgãos participantes até o final do seu prazo de vigência, conforme previsto na referida Ata de Registro de Preço e Edital, ensejando, pois, licitamente a celebração de novas contratações públicas com fulcro nas referidas legislações já revogadas, imprimindo-lhe efeito ultra-ativo, inclusive quanto aos parâmetros de vigência, reequilíbrio econômico-financeiro e reajuste contratuais.
Porém, está bem conturbada a interpretação normativa quanto ao pedido de adesão à ata por órgão não participante (“carona”) a partir deste ano de 2024, ou seja, aquele órgão ou entidade da Administração Pública que não participou dos procedimentos iniciais da licitação para registro de preços guiados pelas normas legais já revogadas pela Lei Federal nº 14.133/2021. O entendimento não está pacificado.
O Decreto Federal nº 11.462/2024, em seu art. 38 § 2°, dispôs que as atas de registro de preços regidas pelo Decreto nº 7.892, de 2013, durante suas vigências, poderão ser utilizadas por qualquer órgão ou entidade da Administração Pública federal, municipal, distrital ou estadual que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador, observados os limites previstos no referido Decreto.
No mesmo sentido caminhou a legislação do Distrito Federal prevendo no art. 4º do Decreto nº 44.613/2023 que as atas de registro de preços regidas pelo Decreto nº 39.103, de 06 de junho de 2018, durante suas vigências, poderão ser utilizadas por qualquer órgão ou entidade da Administração Pública Distrital, que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador, observados os limites previstos no referido Decreto.
Por sua vez, o Tribunal de Contas do Mato Grosso (TCE/MT) editou a Resolução de Consulta nº 24/2023 entendo que, mesmo após o decurso do prazo estabelecido no inciso II do caput do art. 193 da Lei 14.133/2021, seria possível aderir à Ata de Registro de Preços (ARP), com prazo vigente, fundamentada em processo licitatório com base nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e/ou arts. 1º a 47-A da Lei 12.462/2011, condicionando apenas à comprovação da sua vantajosidade econômica à administração e às condicionantes fixadas em regulamento próprio e do órgão gerenciador.
Neste mesmo sentido o Estado do Pará editou Decreto nº 3.652, de 16 de janeiro de 2024 admitindo excepcionalmente adesões a Ata de Registro de Preços regidas pela legislação revogada, condicionando à ausência de ata de registro de preço com objeto similar regida pela Lei Federal nº 14.133/2021.
Neste mesmo sentido, foi publicada recentemente no estado de Pernambuco a Portaria Conjunta SAD/PGE Nº 17 do dia 05 de fevereiro de 2024, alterando alguns pontos da Portaria Conjunta SAD/PGE nº 97, de 14 de dezembro de 2023, dentre os quais a adesão à Ata de Registro de Preço regida pela legislação anterior, passando-se a admitir que as atas de registro de preços regidas pelo Decreto Estadual nº 42.530, de 22 de dezembro de 2015, durante suas vigências, poderão ser utilizadas por qualquer órgão ou entidade da Administração Pública estadual que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador, observados os limites previstos no referido Decreto, conforme nova redação do art. 4º §1º.
Em sequência, a Portaria Conjunta SAD/PGE Nº 17 do dia 05 de fevereiro de 2024 ainda promoveu a alteração do §2º do art. 4º da Portaria Conjunta SAD/PGE nº 97, de 14 de dezembro de 2023, permitindo expressamente que os órgãos e entidades da Administração Pública estadual referidos no art. 1º desta Portaria poderão aderir a atas de registro de preços firmadas sob o regime das Leis Federais nº 10.520, de 2002 e/ou 8.666, de 1993, durante suas vigências, observado o disposto no Decreto Estadual nº 42.530, de 2015, desde que inexista ata de registro de preço regida pela Lei Federal nº 14.133, de 2021, com objeto similar, melhor preço e possibilidade de adesão.
Nada obstante, em sentido oposto, tem-se o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE/ES), o qual se posicionou através da Consulta nº 00016/2023-1 - Plenário no sentido de que apenas “se o pedido de adesão do “carona” e a respectiva concessão pelo órgão responsável pela ata de registro de preços forem realizados dentro do período temporal estabelecido pelas regras de transição da Nova Lei de Licitações, de acordo com as alterações da Lei Complementar 198, de 28 de junho de 2023, ou seja, até 29 de dezembro de 2023, os contratos decorrentes seguirão a mesma legislação prevista na ata, desde que pactuados durante a sua vigência, ainda que formalizados após a referida data limite.”
Diante da diversidade de interpretações normativas, é indispensável se retornar aos conceitos-base dos sujeitos do Sistema de Registro de Preços.
Perceba-se que os órgãos ou entidades que não se caracterizam como órgão gerenciador ou órgãos ou entidades participantes no Sistema de registro de Preços, apenas são passiveis de contratar através da respectiva Ata de Registro de Preço na qualidade de órgão ou entidade não participante, habitualmente referido como “carona”.
O “carona” não integra o processo licitatório originário, nem, consequentemente, poderia ter realizado tempestivamente a opção pela aplicabilidade das normas revogadas, pois ausente a manifestação expressa da autoridade responsável pelo procedimento licitatório quanto à escolha da norma que deveria reger o certame, a qual deveria ter sido concretizada no próprio edital ou no ato autorizativo da contratação direta até 29 de dezembro de 2023.
Assim, qualificando-se como “carona”, a respectiva entidade ou órgão é sujeito estranho ao processo licitatório originário destinado ao registro de preços, não integrando originariamente o certame, apenas aderindo a este em momento posterior, razão pela qual submete-se a várias condicionantes legais, dentre as quais a própria aceitação do órgão gerenciador e do beneficiário da Ata de Registro de Preços.
Deste modo, apesar da existência de legislações mais flexíveis como acima referido, entende-se que a adesão à Ata de Registro de Preços, fundamentada em processo licitatório com base nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e/ou arts. 1º a 47-A da Lei 12.462/2011, ocorrida após 29 de dezembro de 2023 não atende aos critérios estabelecidos pela norma de transição do art. 191 da NLLC para a legítima utilização ultra-ativa da legislação já revogada como diploma regente da respectiva contratação pública almejada.
Por fim, o art. 191 da Lei n º 14.133/2021 é categórico ao vedar a aplicação combinada da nova legislação com as normas citadas no inciso II do caput do art. 193, quais sejam Lei nº 8666/93, Lei nº 10.520/02 ou arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, não restando dúvidas quanto à impossibilidade jurídica de Ata de Registro de Preço, regida pela legislação anterior (já revogada), dar origem a contrato administrativo guiado pela nova lei (vigente), sob pena de se instituir regime híbrido ilegal.

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